Por Carlos Leone
De origem goesa, onde cursou o Liceu e se familiarizou com a Literatura e a língua inglesas (algo incomum na cultura portuguesa de então, sobretudo francófona), Moniz Barreto (1863-1899) terá sido o principal autor entre os que ensaiaram uma via científica na crítica literária, muito embora a sua morte prematura não lhe tenha permitido alcançar uma influência sobre o seu tempo, com o qual veio a partilhar uma antipatia a Inglaterra por força da questão do Ultimato de 1890.
Em Lisboa frequentou desde 1880 o Curso Superior de Letras, escola onde foi aluno de Teófilo Braga, Jaime Moniz, Ferreira-Deusdado, Adolfo Coelho, entre outros. Os ensaios que escreverá evocam-nos várias vezes, quase sempre saudosamente; no entanto não se distinguiu entre os colegas (o que não significa que estes o desconsiderassem). Mas a instituição teve influência duradoura no espírito do jovem Moniz Barreto pelo ambiente positivista instaurado por Teófilo e seus seguidores (mesmo se se tratava de um positivismo com originalidades pouco comteanas).
Assim, a uma formação juvenil tradicionalista sucedeu uma imersão na variante local do espírito materialista não dialético corrente em Portugal à época, com toda a singularidade que isso acarretava e que decerto terá transparecido aos olhos de Moniz Barreto quando, na década seguinte, frequentou em Paris vários seminários da Universidade local. Uma combinação improvável e de árdua conciliação, mais a mais tendo Moniz Barreto experimentado desde muito cedo as manhas do «Portugal histórico»: sem oportunidade de desenvolver a atividade científica regular que talvez o tivesse feito aprimorar o seu genuíno compromisso com o trabalho intelectual, começou por ser bibliotecário (na Câmara Municipal de Lisboa) e deu início a uma intensa atividade como crítico e publicista na Imprensa do seu tempo: Jornal de Comércio, O Repórter e, entre outros, sobretudo a Revista de Portugal dirigida por Eça, foram tribunas de distinção para o jovem letrado que assim persistiu na exposição das suas tendências intelectuais sincréticas mais do que as questionou. O golpe de misericórdia deu-se na forma, ainda hoje tão usual, de um concurso simulado para admissão ao professorado (nos caso um lugar de docente de História no Colégio Militar) do qual Moniz Barreto foi excluído para se proceder a um ajuste direto. Ainda tentou o jornalismo no Brasil, onde a desilusão chegou rápida, e a partir de 1894 fixou-se em Paris. Aí, as desilusões anteriores, os problemas de saúde e a escassez de meios de subsistências, aliadas a um temperamento dado ao isolamento, foram o bastante para o seu pensamento e o seu estilo não evoluírem. Morreu literalmente consumido em 1899, consumido por si e pelo país que amava, ignorado pela Pátria de acolhimento.
Tinha sido ‘lançado’ por Eça quando, no primeiro número da sua Revista de Portugal (1889), publicou “A Literatura Portuguesa Contemporânea”, trabalho no qual as marcas da ciência em clave positivista estão já bem patentes. Na década seguinte, até à sua morte, nunca abdicou dessa cientificidade mas aprofundou-a num sentido cada vez mais psicologicizante (em especial no seu Oliveira Martins de 1892). Rapidamente reconhecido como um autor a considerar (Silva Gaio dedicar-lhe-á em 1894 a integralidade do volume I da sua obra Os Novos), certo é que a sua restante produção é pontual e dispersa, tendo sido coligida em volume apenas no século XX em antologias de Vitorino Nemésio (Ensaios de Crítica, 1944) e de Castelo Branco Chaves (Estudos dispersos, 1963).
A sua ambição científica nunca encontrou um trabalho que lhe permitisse exprimir-se completamente; quando morreu, em Paris, tinha-se isolado mesmo dos seus amigos mais próximos, por força de um orgulho que o levava a rejeitar apoios. Esse temperamento sobressai também nos textos, ora apaixonantes ora entediantes, mas sempre carregados de convicção, mesmo quando tenta, sem sucesso, distanciar-se da sua própria condição (Eça, com o tempo, cansou-se disso mesmo). Fiel ao europeísmo das correntes intelectuais do seu tempo, Guilherme Moniz Barreto estudou com igual interesse não só autores portugueses mas também estrangeiros (como Taine, talvez a sua maior influência teórica), e por isso, hoje, a Imprensa Nacional ultima uma nova edição das suas obras, refundindo as duas edições anteriores segundo novos critérios.
Sobre Moniz Barreto, cf. Barreto, Guilherme Moniz» por António Salgado Júnior, em Prado Coelho, J., dir., Dicionário de Literatura, vol. 1, pp.178, Mário Figueirinhas Editor, Porto, 1997 (4ª ed.) e o mais recente estudo, de 1989, por António Braz Teixeira, «Barreto (Guilherme Moniz)» in Enciclopédia Logos, Verbo, Lisboa/São Paulo (reimpr. 1997, col. 610/611).