Genebra: Jornada de Estudos “Um sentido – múltiplas escutas [Sobre o fenómeno da escuta na literatura]”

Calendário
Camões, I.P.
Data
23.02.2024
Localização
Genebra

Descrição

No dia 23 de fevereiro de 2024, entre as 16h00 e as 18h00, a Cátedra Lídia Jorge do Camões, I.P. e a Unidade de Português da Universidade de Genebra, organizam uma jornada de estudos intitulada “Um sentido – múltiplas escutas [Sobre o fenómeno da escuta na literatura]”. O evento terá lugar na Universidade de Genebra.

A jornada conta no seu programa com duas intervenções.

A primeira intervenção, “Para Sempre à escuta. Ressonâncias de uma ‘Estranha Melodia’ transfigurada”, será apresentada por Ana Isabel Nistal Freijo (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Politécnico do Porto / CECH – Universidade de Coimbra).

“Fecho os olhos e imagino uma cor. Concentro-me nos ouvidos e imagino uma música. Mas é impossível recuperar um cheiro, um sabor, só pela imaginação”. Nos romances de Vergílio Ferreira, os sentidos “espirituais” – i .e. a visão e a audição – adquirem um papel central na elaboração do discurso autodiegético. É através deles que os narradores (re)configuram o real, transformando o mundo actual vivido num lugar ambíguo, onde a realidade e a irrealidade se confundem – quer como memória, quer como ficção. A narrativa vergiliana responde, assim, àquela célebre interrogação de Espinosa acerca do que pode um corpo (Espinosa, Ética III, Prop. 2), ao propor novos “mundos (im)possíveis” originados a partir da potência dos sentidos. Nesta comunicação propomos auscultar a narrativa vergiliana através de um estudo de caso particular: o romance Para sempre (orig. pub. 1983). Das inúmeras referências acústicas que permeiam essa obra, destacar-se-á uma melodia de Schubert, desprovida aí do seu sentido material primeiro. Essa melodia, como signo augural da existência, guiar-nos-á em direcção a uma forma de gnose superior, que nos levará da análise narrativa de Vergílio Ferreira à análise musical. Com este intuito, examinaremos no final da nossa apresentação uma obra musical de recente criação intitulada, precisamente, “Uma estranha melodia feita de todos os sonhos” (2023) – obra para guitarra portuguesa e orquestra do compositor e instrumentista Miguel Amaral, cujo título foi retirado do romance em apreço. No processo de ressignificação operado por Amaral, advertiremos novas ressonâncias para essa “estranha melodia”: o signo augural da existência transfigurar-se-á em signo inaugural de criação.

Ana Isabel Nistal Freijo é Licenciada em Piano (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Politécnico do Porto, 2010), Mestre em Estética (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
2013) e doutoranda em Estudos Artísticos | Estudos Musicais (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra). É assistente convidada na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Politécnico do Porto, onde desenvolve actividade docente nas áreas de Estética Musical e História da Cultura. Também é investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. A sua investigação situa-se no cruzamento entre a música, a literatura e a filosofia, destacando-se o trabalho desenvolvido em torno das figuras de Gilles Deleuze e Robert Schumann.

A segunda intervenção, “Ir beber pelos ouvidos”. Escuta Libidinosa nos Serões do Convento de M.L (c.1862), será apresentada por Octavio Páez Granados (Universidade de Genebra / CECH – Universidade de Coimbra).

Considerado pela crítica especializada como um best-seller da literatura pornográfica luso-brasileira da segunda metade do século XIX, o romance intitulado Os Serões do Convento destaca, entre outros motivos, como um projeto narrativo sustentado numa sofisticada mecânica da escuta. A sobreposição de vozes, planos sonoros e elementos auditivos, contribuem ativamente na construção do discurso pornográfico, estabelecendo um diálogo contínuo com os componentes marcadamente visuais que caracterizam o pornográfico. Numa exploração sensorial constante e entregues à “escuta libidinosa” que Os Serões do Convento propõe, o objetivo será então indagar, voluptuosamente e através dos nossos ouvidos, um conjunto de elementos que nos situam em qualidade de voyeurs-escutadores.

Octavio Páez Granados é assistente no Departamento de Línguas e Literaturas Românicas da Faculdade de Letras da Universidade de Genebra (Unidades de Português e de Espanhol) e investigador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos (CECH) da Universidade de Coimbra. Doutor em Estudos Lusófonos e Mestre em Estudos Hispânicos (Universidade de Genebra), as suas principais linhas de pesquisa centram-se no estudo das masculinidades e das sexualidades no âmbito literário ibero-americano. Paralelamente à sua formação literária, Octavio Páez Granados é Licenciado em Música Antiga ― opção cravo (ESMAE – Politécnico do Porto) e Mestre em Estudos Artísticos ― Musicologia (Universidade de Coimbra). Nesta linha, os seus motivos de estudo principais são as formas poético-musicais próprias do barroco ibero-americano.