Fotografias ‘roubadas’

Número 138   ·   6 de Maio de 2009   ·   Suplemento do JL n.º 1007, ano XXIX

Exposição fotográfica Gentes de Lisboa em Salamanca

Faz fotografia «apenas por prazer», foge a caracterizações, os seus registos são a preto e branco, tal como Cartier-Bresson, que de alguma forma reivindica como inspirador dessa opção, e diz que ‘instantâneos roubados’ «é capaz de ser uma boa expressão» para descrever as suas imagens.

 

Gentes de Lisboa
Praça do Comércio. Postal. Foto de Sara Rodrigues Pereira
Sara Rodrigues Pereira (n. 1985), que nunca pensou fazer fotografia como profissional, e que tem apresentado os seus trabalhos no blogue Photos e Afins, vai ter a sua primeira exposição de 11 a 30 de Maio, na Faculdade de Filologia da Universidade de Salamanca, por iniciativa do docente do Instituto Camões na cátedra de Estudos Portugueses, Hugo Machado.

 

O multiculturalismo e a imigração são os tópicos da exposição, com o título Gentes de Lisboa, em que se pretende, através de uma instalação de parede, com cerca de duas dezenas de objectos fotográficos de dimensões mínimas (100/140 mm), ensaiar «uma recriação visual de imaginários sociais da cidade de Lisboa, conformando uma constelação de novas paisagens urbanas e de uma portugalidade outra para o século XXI», segundo Hugo Machado.

 

«Eu acho que, em geral, os portugueses não costumam pensar que Lisboa tem de facto pessoas de várias nacionalidades. Basta andar pela cidade, principalmente pela Baixa e vêem-se pessoas de todas as nacionalidades», afirma Sara Rodrigues Pereira, dando como exemplo os muitos trajes típicos de África que se podem ver em Lisboa. A exposição «vai mostrar que Lisboa não é só feita de portugueses, que nasceram em Portugal, que são típicos, mas também de muitas pessoas que fazem quem nós somos hoje em dia», acrescenta esta licenciada em tradução, com uma pós-graduação em estudos ingleses e americanos, presentemente desempregada.

 

Gentes de Lisboa
Laughing Matters. Foto de Sara Rodrigues Pereira
A opção temática da exposição não caracteriza o trabalho de Sara Rodrigues Pereira. «Não tenho uma área para a qual eu esteja mais virada. Eu gosto de fazer fotografia de coisas que eu vejo e que eu acho interessantes», diz, depois de explicar o seu processo de trabalho: «costumo andar sempre com a máquina fotográfica. E tiro fotografias a coisas que acho interessantes. Se vir pessoas, ou um edifício ou um padrão, um reflexo… Há dias que passo a tirar fotografias a azulejos…».

 

Esse modo de operar corresponde àquilo que Hugo Machado lhe pediu para a exposição – o «olhar de um repórter não intervencionista». «Ou seja, não seria eu a pedir às pessoas para fazerem poses, para se arranjarem… », explica. Ora, isso é um pouco já o que ela faz. «Costumo tirar fotografias a pessoas que aparecem à frente», diz, referindo a foto do homem que tira uma soneca sentado num banco na esplanada em frente ao Teatro São Carlos, em Lisboa, na comemoração dos 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa. «Não foi nada arranjado, foi uma coisa que aconteceu».

 Daí o aceitar que as suas fotografias sejam descritas como ‘roubadas’, até porque, diz, «muitas pessoas não gostam que se lhes tirem fotografias. Sentem-se talvez um pouco violadas na sua privacidade. É muito frequente as pessoas ‘chatearem-se’ comigo e gritarem e dizerem ‘pare de tirar fotografias!’, ‘não faça isso…’»

O interesse de Sara Rodrigues Pereira pela fotografia nasceu na adolescência, vendo o seu pai, que segundo ela «faz fotografia um pouco mais a sério». E para além do pai, a outra grande influência que reconhece é a revista norte-americana National Geographic. «Adorava folhear a revista e ver aquelas imagens – documentário quase. Eram e ainda são lindíssimas. Cores espectaculares. E ainda hoje em dia vou às vezes folhear a revista só para ver novas imagens».

 

O gosto pelas fotografias da National Geographic, quase sempre a cores, não obstou a que escolhesse o preto e branco como modo dominante das suas fotos, uma opção em abono da qual chama o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson (1908–2004). Não enjeitando a cor (por exemplo, quando fotografa grafitis ou cartazes), diz apenas: «prefiro o preto e branco porque me lembra talvez uma época mais antiga, parece mais documentário».

 Começou por fazer fotografia em película, mas a oferta pela mãe de uma máquina digital há dois/três anos levou-a a fotografar com mais intensidade, uma actividade também estimulada pelo blogue que entretanto iniciou há cerca de um ano.

Concorda em que exposição está a reforçar a sua ligação à fotografia. «Quando eu e o Hugo começámos a falar sobre as fotografias para a exposição, sobre o que ele pretendia, eu percebi que tinha muito poucas fotografias relacionadas com esse tema. E então, logo no fim-de-semana seguinte, fui passar um dia inteiro a tirar fotografias. Acho que comecei a puxar mais por mim, passei a estar mais atenta, passei a ir a sítios onde pudesse encontrar as fotografias. Por exemplo, fui ao Mercado da Ribeira, que era um sítio onde eu sempre quis ir e nunca fui e aproveitei para ir. Também ando mais a pé para tentar arranjar mais fotografias. Acho que a exposição me abriu mais um pouco os olhos às potencialidades.»