Navacarangué! Navacarangué!

Número 142 · 26 de Agosto de 2009 ·  Suplemento do JL n.º 1015, ano XXIX

A assinalar os 500 anos do período (1510-1514) em que se pensa que nasceu Fernão Mendes Pinto, o Instituto Camões (IC) está a preparar o lançamento no próximo Outono de uma exposição itinerante sobre o autor da Peregrinação, intitulada Deslumbramentos do Olhar, com guião de Ana Paula Laborinho, concepção gráfica de João Paulo Cotrim e Jorge Silva e ilustrações de André Carrilho.

A exposição dará origem a uma colecção de painéis que circulará pela rede de leitorados, centros de língua e centros culturais do IC, consolidando a novidade trazida pela exposição itinerante sobre Agustina Bessa Luís, igualmente produzida este ano para o IC pela dupla Inês Pedrosa/João Botelho, de poder ser distribuída em suporte digital ou pela Internet e depois localmente impressa e exibida.

A exposição, revela Ana Paula Laborinho, vai ter versões em várias línguas – inglês, espanhol, chinês e japonês e, eventualmente, em francês, se surgir interesse da parte de países francófonos. E vai servir também para assinalar, em 2010, os 150 anos da assinatura do tratado de amizade entre Portugal e o Japão, país onde deverá ser exibida, porque, sublinha a investigadora universitária, «não há dúvida de que Fernão Mendes Pinto foi uma figura que teve muita importância nessa ligação».

Peregrinação

«A Peregrinação tem esse valor que é de sublinhar: é que tem continuado sempre a ser editada ao longo destes séculos. Identifiquei cerca de 200 edições da Peregrinação à volta do mundo. E à volta do mundo é desde o Japão, e em japonês, à China, à Hungria e depois, claro, aqui, na Inglaterra, França… […] E não contabilizo as reedições de cada uma das edições. Porque há algumas que tiveram dez edições.»

                             Ana Paula Laborinho

  

  

  

BND

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O discurso expositivo concebido pela professora da Faculdade de Letras de Lisboa assenta em cinco núcleos, o maior dos quais é o terceiro, centrado na própria Peregrinação, segundo a investigadora, que considera ser a vida de Fernão Mendes susceptível de diferentes abordagens.

Já do lado da concepção gráfica, a «ideia base» da exposição foi «unidade e narrativa», explica João Paulo Cotrim. «Procurámos que as ilustrações do André Carrilho, muito dinâmicas e de grande impacto plástico, contassem uma história paralela ao texto», explica. «Numa obra onde a ideia de ver claramente visto é central, as imagens contarão uma história onde o olhar sobre a viagem e o outro serão fulcrais», acrescenta.

A opção de Ana Paula Laborinho foi sobretudo a de destacar a obra, da qual a exposição apresenta excertos, «porque são tão ricos que basta ler para percebermos muito do que se pretende», embora em muitos casos a curadora «também tenha usado como estratégia um pequeno título que serve como orientação de leitura para o excerto» que depois inclui, isto sem esquecer a inserção de «algum texto explicativo».

O primeiro núcleo é dedicado «à dupla vertente do viajante e do companheiro de Francisco Xavier», apresentando pequenos excertos de cartas, não só de Fernão Mendes Pinto, mas também de Francisco Xavier e de outros padres da Companhia de Jesus, que mostram «um pouco essa figura do pecador arrependido».

Num segundo núcleo, Ana Paula Laborinho dá a conhecer o sucesso da Peregrinação, «o best-seller seiscentista», que teve a licença do Santo Ofício, quer a versão em português quer em castelhano, e que foi dedicada ao rei Filipe II. Aliás a investigadora universitária sublinha a importância da divulgação da obra em Espanha no seu sucesso internacional. Neste núcleo ainda, sob o título de ‘uma obra que resiste ao tempo’, dá-se conta de como a Peregrinação ainda «continua a ser traduzida, editada». No séc. XX surgiram as edições em japonês e em chinês. Pretende-se também dar conta da «continuidade do interesse por esta obra», mesmo de algumas das figuras importantes, quer em adaptações, como Aquilino Ribeiro, quer em estudos, como de António José Saraiva».

Os dois núcleos seguintes são sobre «a obra em si». Ao primeiro, Ana Paula Laborinho chamou ‘o livro dos fingimentos’ e é introduzido pela citação de João Rodrigues, companheiro de Fernão Mendes Pinto, que é o autor dessa «magnífica designação» em que se mostra a conflitualidade entre aquele ‘vi pelos meus olhos’ e a imaginação. «Quando ele diz ‘vi pelos meus olhos’ é geralmente quando está a contar as coisas mais extraordinárias», assegura a responsável pela concepção da exposição.

Outro painel deste grupo intitula-se ‘quem conta um conto…’. Nele se confronta o que está escrito na Peregrinação com as suas fontes, nomeadamente Gaspar da Cruz e Fernando Lopes de Castanheda. O ponto ‘aventuras, aventuras, aventuras’ é dedicado aos cativeiros, naufrágios, batalhas no mar, cercos e saques.

Segue-se um núcleo mais descritivo, a que Ana Paula Laborinho chama propriamente ‘os deslumbramentos do olhar’ e em que se aborda a geografia da Peregrinação e as referências a monstros e maravilhas – os homens de patas redondas, o rio das serpentes… Também surgem personagens como ‘o tirano de Burma’, o rei de Passaruão, o rei do Sião. Um painel é dedicado pela investigadora «a um lugar que nunca ninguém conseguiu localizar que é o Calaminhão, a que Fernão Mendes Pinto dá uma importância enorme». Na geografia da Peregrinação, lugar especial ao ‘bom governo da China’ e ao ‘Japão, Cidade de Deus’.

A terminar a exposição encomendada pelo Instituto Camões, um painel dedicado à ‘viagem das línguas’, em que se faz alusão ao «extraordinário repositório» das línguas locais feita por Fernão Mendes Pinto na Peregrinação, um artifício usado pelo autor para reforçar a verosimilhança do que conta. ‘Navacarangué! Navacarangué! que quer dizer: prende ladrões, prende ladrões’, gritam os moradores de Xianguulee, no caminho para Nanquim, na transcrição e tradução de Fernão Mendes Pinto.

«Fica sempre muita coisa de fora, mas [uma exposição] é sempre uma escolha», conclui Ana Paula Laborinho.

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