Trazer a criação artística para o debate cívico

Entre Partidas e Chegadas arranca da questão genérica das migrações. Que ideias orientaram a organização do evento?

Lúcia Marques: Foi um ciclo concebido de raiz para o Comité Económico e Social Europeu (CESE), sediado em Bruxelas, para integrar a sua iniciativa What Next? (…) dedicada à arte contemporânea dos países da União Europeia. Como o CESE também programa uma sala de cinema (…), o IC achou por bem que pensássemos uma exposição associada a uma semana de filmes e daí nasceu o ciclo Entre Partidas e Chegadas. Eu fui convidada a conceber a exposição e o Nuno Sena a semana de filmes e por isso sentimos a necessidade de encontrar um tema comum a essas duas vertentes do projecto: ora, se há tópico prioritário na agenda europeia é o dos fenómenos migratórios! (…)

Número 127   ·   2 de Julho de 2008   ·   Suplemento do JL n.º 985, ano XXVIII

● O texto de Vitus H. Weh, no catálogo da exposição, cria o quadro teórico para o recurso à fotografia, como a grande democratizadora da arte contemporânea. Porquê esta opção só pela fotografia (e vídeo) e o cinema?

LM: Esse texto aprofunda essa relação da fotografia com a democracia mas também aborda a tentação de se constituir uma identidade europeia através das exposições... Como a exposição que propusemos ao CESE assenta essencialmente na fotografia ou, quando inclui o vídeo (…) também lida com a linguagem fotográfica, pareceu-nos pertinente publicar este texto [que estava por publicar] neste catálogo. Essa sugestão partiu da Antonia Kuehnel, que é a programadora do What Next? (…).

● Se os emigrantes portugueses estão presentes como autores das obras (sobretudo nos filmes), os imigrantes estão praticamente ausentes. Isto é, parecem ser objecto mas não sujeitos. Porquê?

LM: (…) Este ciclo (…) tem por tema comum os fenómenos migratórios, precisamente por ser um tópico suficientemente abrangente para abrir possibilidades de abordagem e mostrar como a arte, e em especial a fotografia, o vídeo e o cinema, podem versar sobre essa condição migratória de modos menos evidentes e sem se restringirem à dicotomia emigrante/imigrante. Considerámos mais interessante partir de uma base comum para diversificar, sem tornar homogéneo.

Por isso escolhi quatro trabalhos de jovens artistas que se relacionam com esta temática de modos muito diferentes: não apenas através da sua biografia, mas também através das soluções plásticas e das ideias trabalhadas nas suas obras. E mesmo assim encontramos tanto a referência aos emigrantes como aos imigrantes, pois também depende do local a partir do qual nos situamos.

(…) O grande objectivo era, sobretudo, provocar o debate sobre os fenómenos migratórios a partir da produção artística mais recente. Mostrar como os artistas também reflectem ou ajudam a reflectir sobre estes temas sem que a obra tenha que ser obrigatoriamente evidente, ilustrativa. Trazer a criação artística para uma discussão com uma dimensão política, social, cívica.