Soundwalkers apresentado no festival de Subtropics de Miami
«Pensávamos que [o silêncio] existia, mas ele não existe». John Cage (in Musicage. case Muses on words, art, music. John Cage in conversation with Joan Retallack. Wesleyan University Press, 1996)
A intenção era fazer um documentário. E é um documentário. Mas Soundwalkers (‘Os caminhantes do som\', numa tradução literal) é mais do que isso, pelo notório cuidado estético com que foi rodado e, sobretudo, pela forma como as suas imagens foram tratadas e depois montadas.
Número 136 · 11 de Março de 2009 · Suplemento do JL n.º 1003, ano XXVIII
Como classificá-lo - uma peça informativa, uma peça de arte? - é uma questão que «deixa algumas dúvidas» a Raquel Castro. «Para mim, é um documentário. Inicialmente atribuí-lhe o conceito de filme-ensaio, uma vez que pretende interpelar, fazer pensar e esboçar algumas respostas. No entanto, tem sido referido como um documentário artístico, uma vez que a imagem é bastante trabalhada e a montagem é trabalho de autor. O filme tem um olhar, preocupações formais, composições sonoras e portanto, tem autoria», que Raquel Castro estende ao seu marido Tó Trips (António Antunes), pela sua intervenção no grafismo e na música do filme.
É mediante o ‘diálogo\' cruzado entre estes depoimentos, interpolados com imagens intensamente sonoras, que Soundwalkers equaciona algumas questões que Raquel Castro resume em três pontos; «O que é o Som e qual a importância de se pensar o Som nos dias de hoje? Quais são os problemas da nossa Paisagem Sonora? Ruído e Silêncio; Qual é a solução? Design, Arte (música versus soundart) e consciência sonora».
Um exemplo do tipo de abordagem que o filme faz a estes tópicos está no debate, por via dos depoimentos, sobre o ruído - ora definido como «o que é diferente de música, do discurso articulado, diferente de sinais ou de alguma coisa que se tenta comunicar», ora visto como o som que é produzido com intenção por contraposição aos «sons naturais» produzidos sem intenção, pelo que, diz um entrevistado, «a principal fonte de ruído é justamente a música» -, em que é dita uma coisa e o seu contrário, dando conta da dificuldade de estabelecer critérios objectivos, como reconhece aliás Raquel Castro quando diz que «o ruído é, de facto, uma experiência bastante subjectiva».
Daí que a deslocação de Raquel Castro a Miami não tenha tido apenas como objectivo apresentar o filme, mas também « continuar a desenvolver trabalho de investigação, recolha de entrevistas e pesquisa de novas temáticas», prosseguindo o seu projecto, uma vez que no Subtropics «estão presentes algumas das entidades mais conhecidas e influentes» do meio sonoro.
O interesse de Raquel Castro pelo Som (com maiúscula) surgiu quando colaborou com o realizador Tiago Pereira (conhecido pelo seu trabalho sobre a memória oral) na recolha por Portugal de «cantigas, lengalengas, dizeres e saberes populares».
«Esse trabalho fez-me reflectir sobre a forma como poderia identificar os lugares pelas suas características sonoras. Trás-os-Montes soava de uma maneira completamente diferente da Beira Litoral, por exemplo. Parti, portanto, da questão da identidade sonora», conta.
O tema tornar-se-ia mesmo no centro da sua actividade académica, tendo produzido uma tese sobre Ecologia Acústica, «com a principal preocupação de introduzir e explicar o tema», no âmbito de um mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova. Segundo revela, começou agora o seu doutoramento sobre A Paisagem Sonora de Lisboa: análise comunicacional da identidade acústica em 5 bairros da cidade, investigação que pretende levar a cabo nos próximos anos.
As várias ideias que circulam sobre o Som «giram em torno do mesmo», diz a realizadora. Trata-se de «pensar o Som e estar consciente dele, porque ele acontece a cada dado momento. Não esquecer que um dos principais legados de Cage é precisamente a ideia de que ‘o silêncio não existe\'».
Festival Subtropics
O Subtropics é essencialmente um festival de soundart. Por isso, explica Raquel Castro, grande parte dos projectos apresentados são concertos (em particular, de música electro-acústica), instalações e performances. O interesse deste festival, segundo a realizadora, reside no facto de ele ter lugar durante um mês em vários locais de Miami, incluindo a praia e as ruas. A edição que decorre este ano é a 20ª. (http://www.subtropics.org/)