Maria Isabel Barreno é uma das vozes mais originais da literatura portuguesa, saudada imediatamente pela crítica, logo após a publicação do seu primeiro romance, De Noite as Árvores são Negras (1967). Cidadã e escritora militante em consonância com o seu tempo, a sua obra põe em cena uma sociedade fechada que amordaça e aliena os homens e, em particular, as mulheres face a todos os condicionalismos da sociedade burguesa.
A sua participação nas Novas Cartas Portuguesas (1972), livro coletivo escrito em parceria com Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, inspirado na literatura feminina do século XVII, abalou e pôs em causa o regime pela ousada exposição da problemática feminina que punha em causa preconceitos, tabus anquilosados de uma sociedade paternalista e falocrática. Proibido pela Censura, com um processo no tribunal, com imenso impacto na imprensa internacional, só a Revolução dos Cravos as iliba (Maria Isabel Barreno gostava de contar do imenso prazer que teve ao conseguir roubar, em pleno tribunal, o exemplar completamente anotado do advogado do regime !).
Ainda que a sua obra coloque no centro a questão do feminino, através do que se poderá chamar uma escrita feminina (A Morte da Mãe, 1979, romance/ensaio em que a voz solitária de uma mulher dialoga com os atavismos mais primários da sociedade ou como se anuncia explicitamente no título Inventário de Ana,1982), ela é atravessada por uma voz indagadora, que interroga as falsas evidências, a ordem aparente e lógica, desconstruindo uma visão da sociedade e do mundo patriarcal, dando chaves, apontando sinais, para que o leitor trace o seu próprio caminho a partir das ruínas. A sua escrita torna-se pura interrogação, onde o lirismo vai a par com uma dimensão de cárater sociológico e, sobretudo, filosófico.
Como ensaísta elaborou vários estudos, na área da sociologia, sobre a juventude, os trabalhadores de origem rural, a imagem da mulher na imprensa, a condição da mulher portuguesa.
O seu livro de crónicas, de pendor ensaístico, Um Imaginário Europeu (2000) escrito durante o seu período como Conselheira para os assuntos de Ensino do Português em Paris, reflete sobre a nossa pertença à Europa, em termos de imaginário, ao mesmo tempo que questiona a nossa auto-representação desse espaço e suas consequências para a adoção de políticas linguísticas e culturais.
José Manuel da Costa Esteves, responsável da cátedra Lindley Cintra da Universidade Paris Ouest – Nanterre – La Défense