Por Carlos Leone
Adérito Sedas Nunes (Lisboa, 1928 – Lisboa, 1991)
Sedas Nunes pertence à geração que implantou definitivamente as ciências sociais na Universidade portuguesa, depois das tentativas mais ou menos amadoras e voluntaristas do passado. Nessa geração foi talvez a figura de maior relevo, pela capacidade que demonstrou para produzir investigação científica própria de qualidade, coordenar institucionalmente o trabalho de uma das raras Escolas da Universidade portuguesa e atuar ainda na luta política ao mais alto nível. Tudo isto tanto antes como depois de 1974.
Formou-se em Economia, no ISCEF, onde iniciou igualmente a carreira como assistente em 1955, embora tivesse iniciado atividade profissional em 1952, no Gabinete de Estudos Corporativos. Sem estranheza, foi convidado para dirigir em 1956 o Centro de Estudos do Ministério das Corporações, do qual se demite dois anos depois em rutura com as politicas sociais do regime. De facto, a sua primeira obra, Situação e Problemas do Corporativismo (1954) apresenta logo de inicio uma clara critica das instituições do regime, que bem conhecia pois, ainda estudante, organizara na companhia de Maria de Lurdes Pintassilgo o I Congresso da Juventude Universitária Católica (em 1953).
Empenhou-se na conversão do GEC em Gabinete de Investigações Sociais e na criação da revista Analise Social, a mais consolidada publicação do género em Portugal. Em publicação contínua até hoje.
Será neste período e nestes moldes que desenvolverá a sua pesquisa sobre temas sociológicos, como a composição social da população de Portugal e o subsistema universitário, à época em enorme convulsões. Sem ser possível, em rigor, reduzir a sua pesquisa a apenas uma área, merece no entanto destaque a reflexão que desenvolveu em torno da noção de sociedade dual, ou dualista, como explicação para as singularidades portuguesas de então. Esta linha de trabalho prolonga uma pista já lançada por António Sérgio nos anos ’20, mas nunca prosseguida. Sem ser ‘sergiano’, Sedas Nunes participara contudo (na JUC) na campanha de Delgado, porventura o último momento de real influência de Sérgio e no qual perdera as ilusões quanto a eventuais reformas do regime pelo seu próprio esforço. Ao dedicar-se a desenvolver as ciências sociais, banidas pelo Estado Novo sob a acusação genérica de ‘marxistas’, Sedas Nunes optou por uma especialização científica à qual o empenhamento cívico dos da geração de Sérgio nunca permitiu grandes progressos e, com isso, conseguiu fazer avançar as intuições do ensaísta com método mais sólido. A caracterização de Portugal como uma sociedade dualista, no fundo uma sociedade cindida em duas sem verdadeira comunhão, e a extração das efetivas consequências desse fenómenos na década de 1960 (o êxodo rural revelava-se um êxodo nacional, alimentado pela fuga à pobreza e à guerra colonial ao mesmo tempo), o economista feito sociólogo destacou-se da maioria dos seus pares e, mesmo apra os exilados nesse período, o seu trabalho era importante, como o comprova a referência, em trabalho de 1970, de Hermínio Martins ao seu nome a pretexto deste tema, como sendo o mais importante disponível (Martins, formado já em Inglaterra também em Economia e encaminhando-se igualmente para a Sociologia, embora mais próximo de Sérgio apresenta também a sua própria visão destes processos; o texto de 1970, e outros, foram posteriormente publicado em Português em 1998, sob o título Classe, Status e Poder).
Esteve em 1972, já catedrático, na génese do ISCTE onde, a seguir ao 25 de Abril de 1974, a licenciatura que criara com a designação eufemística de ciências do trabalho se torna a primeira de Sociologia a surgir em Portugal. Muito ativo, esteve também ligado ao surgir da Universidade Católica e da Universidade Nova de Lisboa, onde encerra a sua atividade docente. A partir de 1982 dedica-se exclusivamente à investigação no Instituto de Ciências Sociais (Universidade de Lisboa), que institucionalizara durante o seu breve período no governo de Pintassilgo (como ministro da Cultura e Ciência), embora o consumar do processo ainda tardasse um pouco. Manteve-se na direção do instituto até pouco antes de morrer.
Além desta carreira e atividade científica, e como que a demonstrar a estreiteza dos subsetores sociais da sociedade dual portuguesa, Sedas Nunes exerceu uma quantidade imensa de outros cargos, dos quais listamos apenas alguns: subinspetor da Assistência Social e membro da Comissão de Saúde Rural, adjunto da direção do Instituto Nacional de Investigação Industrial (década de 1950); consultor do instituto Francês em Portugal e da Fundação Calouste Gulbenkian, para processos de apoio a estudantes portugueses no estrangeiro (década de 1960); de 1969 a 1974 foi procurador à Câmara Corporativa, na Secção de Economia e Finanças; Presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1976/7). Membro de numerosos corpos académicos e professor visitante de várias universidades no Brasil, em Espanha, na Alemanha e nos EUA, entre outros países, recebeu em vida e postumamente prémios e distinções públicas reveladoras da sua influência e prestígio. Entre as suas obras mais relevantes, contam-se Princípios de Doutrina Social (1958, prefaciado pelo Bispo do Porto), Sociologia e Ideologia do Desenvolvimento (1968), Questões Preliminares Sobre as Ciências Sociais (1972) e História dos Factos e Doutrinas SociaisAnálise Social na década de 1960 surgiu na Imprensa do ICS, organizada por uma sua discípula, Maria Filomena Mónica (cf. Referências).
Referências bibliográficas
- Leone, Carlos, Portugal Extemporâneo, vol. 2, INCM, Lisboa, 2005.
- Filomena Mónica, Maria, org., Antologia Sociológica de Adérito Sedas Nunes, ICS, Lisboa, 2000.
- Estêvão Ferreira, Nuno, A Sociologia em Portugal: da Igreja à Universidade, ICS, Lisboa, 2005.(1992),
- Mais recentemente, uma coletânea de alguns dos seus mais importantes artigos sobre a Universidade publicados na