Por Carlos Leone
Adolfo Victor Casais Monteiro nasceu no Porto em 1908 e morreu em São Paulo em 1972. Exilara-se em 1954 no Brasil (onde ensinou em várias universidades, com uma breve passagem pelos EUA perto do fim da vida) por motivos políticos, mas não apenas por esses (proibição de ensinar); na verdade, a opção pelo Brasil, deveu-se sobretudo a um desejo de liberdade, não só dos poderes de facto em Portugal mas também face aos meios da oposição portuguesa, que percebeu serem pouco apropriados a heterodoxos como ele (as afinidades entre as reflexões de Casais Monteiro e Eduardo Lourenço a este respeito merecem ser notadas).
A sua juventude foi típica de um filho da burguesia portuense ilustrada e liberal, cedo revelando propensão artística. É ainda durante a sua licenciatura, na Faculdade de Letras do Porto, em Ciências Históricas e Filosóficas, num meio influenciado por Leonardo Coimbra, que se estreia nas Letras com os poemas de Confusão (1929). Embora nunca ostente a sua formação em Filosofia, ela será indelével em dois aspetos: o interesse pela conceptualização e pela Linguagem, e o norte orientador da liberdade (temática forte em Leonardo Coimbra). Nessa altura já participava na direção da segunda série de A Águia, com Sant'Ana Dionísio e Leonardo. Também nesses anos inicia a sua colaboração com a revista coimbrã Presença, em cuja direção se integra em 1931, formando o que se torna a direção «definitiva» da folha de arte e crítica até ao seu fim (já em Segunda Série, em 1940). A sua criação literária é já nestes anos dominada por dois géneros: a poesia e o ensaio. Poeticamente, fará a ponte, como muitos já notaram, entre o Modernismo da geração de 1915 (da qual recebe forte influência de Álvaro de Campos) e a poesia da segunda metade do século, que terá na sua Obra um raro interlocutor com a geração dos anos de 1930/40; criticamente, o seu trabalho surge pela primeira vez em livro em 1933 (Considerações Pessoais) e desenvolve-se em quantidade e, sobretudo, em qualidade, desde a sua partida para o Brasil, tornando-se num dos raros intelectuais com relevo na primeira metade do século XX português a efetuar com sucesso a transição de um meio não especializado (a Imprensa e o mundo editorial) para o sistema universitário, pouco especializado no Brasil de então mas no qual a sua atividade foi marcante.
Deste primeiro lustro da década de 1930 data também o início relevante da sua atividade política, no movimento Renovação Democrática. Apesar de pouco estudada, esta atividade merece ser notada: ela radica-se na influência de Leonardo Coimbra junto de uma juventude com formação filosófica (sensível também em Delfim Santos, por exemplo) e, genericamente, pretende ««reavivar o campo liberal com um programa social-democrático», como escreve o historiador Rui Ramos no seu artigo sobre Leonardo no Suplemento ao Dicionário de História de Portugal (vol. 7, «A/E», p. 347; ed. Figueirinhas, Porto, 1999). Apesar de pouco aprofundada, esta referência é necessária por completar o conjunto de marcas de Leonardo sobre Casais, patentes também na reflexão sobre a liberdade e a precisão conceptual nos diversos usos da linguagem. Esta atividade antiditatorial aproximá-lo-á também, pelo menos em comparação com a imagem pública dos restantes diretores da Presença, dos meios politicamente influentes entre os jovens oposicionistas dessa altura, denominados neorrealistas para melhor escapar à perseguição oficial aos comunistas. Nunca o presencismo de Régio (e mesmo de Simões) foi o que dele disseram na Imprensa neorrealista mas, de facto, Casais era, até etariamente, o mais próximo desses meios. Contudo, como na altura todos perceberam e, mais tarde, já no Brasil, continuou a ser nítido, nunca foi comunista nem, sequer, marxista.
Depois de ter obtido qualificação pedagógica em Coimbra, começa a ensinar no Porto em 1934 (Liceu Rodrigues de Freitas). Casa-se com Alice Pereira Gomes, irmã de Soeiro Pereira Gomes, de quem só se separa um ano após partir para o Brasil, duas décadas mais tarde. No final da década de 1930 e na década seguinte foi demitido do ensino (1937) e preso sete vezes, vivendo uma vida profissional atribulada por motivos políticos, mantendo a sua atividade de poeta e crítico através de trabalhos de tradução e edição. Os anos da década de 1940 são particularmente férteis em termos poéticos: Sempre e sem Fim data de 1937, e na década seguinte, seguem-se-lhe Canto da nossa Agonia (1942), Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943), Versos (1944, reunião dos três livros de poesia anteriores) e, com particular destaque, Europa (1946), longo poema lido por António Pedro aos microfones da BBC de Londres ainda durante a guerra (1945). Por fim, em 1949, outra coletânea poética, Simples Canções da Terra. Em 1945 publicara já Adolescentes, o seu único romance. E, sob anonimato, coordena o Mundo Literário, semanário literário. Não menos relevante é a sua ligação com Fernando Pessoa, que data dos dias em que dirigira Presença. Logo em 1942 organizara e prefaciara uma antologia poética de Pessoa, que conhecerá sucessivas reedições e influenciará sucessivas gerações de leitores. Essa atividade iniciada na crítica (e correspondência com o próprio Pessoa) na década de 1930 e prosseguida editorialmente na década seguinte, terá no início da década de 1950 expressão em Francês, traduzindo «Tabacaria» (com Pierre Hourcade). Grande parte do trabalho destas duas décadas encontra-se na reunião de ensaios O Romance e os Seus Problemas (1950; edição modificada no Brasil, mais tarde, como O Romance: Teoria e Crítica). É também sua a fixação do texto primitivo e versão em Português moderno da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (2 vols., Lisboa e Rio de Janeiro, 1952/3).
Em 1954, ano em que parte para o Brasil para participar num congresso mas já com a intenção de aí ficar e enviar uma «carta de chamada» para a mulher e o filho (João Paulo Monteiro, que se lhe juntará em 1963), publica Voo sem Pássaro Dentro (poesia) e vê um antologia de poema seus surgir em castelhano (Adolfo Casais Monteiro). No Brasil mantém atividade poética (surgirá em 1969, como original nas Poesias Completas, O Estrangeiro Definitivo), além de continuar a organizar antologias, com destaque para A Poesia da Presença (1959, no Brasil, 1972, Portugal), recentemente reeditada em Portugal (2003). Contudo, é sobretudo à crítica e à teoria literária que se dedica. Colaborador habitual de órgãos de comunicação social influentes (O Globo, O Estado de São Paulo), publica regularmente crítica literária que incide equitativamente sobre autores brasileiros, portugueses e escritores de outras línguas. Tendo ensinado em várias universidades brasileiras, fixa-se em 1962 na Universidade de São Paulo (Araraquara), lecionando Teoria da Literatura, o que lhe permite elaborar aspetos conceptuais da crítica a que dava atenção desde a sua estreia ensaística em 1933.
Manteve sempre em vista a atividade artística e literária em Portugal (onde nunca voltou), como as dedicatórias dos poemas dos últimos livros deixam perceber. Depois de décadas sem que a Censura permitisse, sequer, a publicação do seu nome, em 1969 a Portugália Editora lança o volume Poesias Completas, marcando a receção da sua Obra pela geração que fará o 25 de Abril. Antes disso, morreu, em 24 de julho de 1972.
Será entre essa receção imediata (à falta de melhor termo) que outras obras surgiram, por iniciativa de seu filho e nora (Maria Beatriz Nizza da Silva), no imediato pós-revolução, como O país do absurdo (textos políticos, edição República, 1974) e A Poesia Portuguesa Contemporânea (Sá da Costa Editora, 1977). Progressivamente, as Obras Completas de Adolfo Casais Monteiro começam a ser (re)publicadas na Imprensa Nacional.
Bibliografia Activa:
- Adolfo Casais Monteiro, Obras Completas, edição em curso, INCM, Lisboa.
Bibliografia Passiva:
- Gotlib, N. B., O Estrangeiro Definitivo, INCM, Lisboa, 1985.
- Lemos, F. e Moreira Leite, R., orgs., A Missão Portuguesa: Rotas Entrecruzadas, UNESP, São paulo, 2002.
- Martines, E., ed., Cartas entre Fernando Pessoa e os directores da presença, INCM, Lisboa, 1998.
- Sena, J. de, Régio, Casais, a Presença e outros afins, Brasília Ed., Porto, 1977.
- VV.AA., Revistas, Ideias e Doutrinas, Livros Horizonte, Lisboa, 2003.