Por Elisabeta Mariotto
António José Saraiva nasceu a 31 de dezembro de 1917, em Leiria, onde viveu até os quinze anos. Licenciou-se em 1938 e obteve o doutoramento em Filologia Românica, em 1942, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Envolveu-se na oposição ao Salazarismo, chegando a ser militante do Partido Comunista Português. Por apresentar incompatibilidade com o sistema ideológico da época, foi impedido de exercer a atividade de docência no âmbito universitário. Foi professor do liceu em Viana do Castelo de 1946 a 1949, tendo depois sido demitido e preso, fruto ainda da sua oposição ao regime. Em 1960, exilou-se em França, onde foi investigador do Centre National de Recherche Scientifique de Paris, na secção de História Moderna. Posteriormente, partiu para Holanda, onde foi professor catedrático da Universidade de Amesterdão até 1974. Após a Revolução de Abril e o fim do regime Salazarista, voltou a Lisboa, assumindo o cargo de professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Lisboa, onde exerceria a atividade de docência até o fim da sua vida. Faleceu em Lisboa a 17 de março de 1993, deixando 24 obras de referência nos domínios da História da Literatura e da História da Cultura portuguesas. Tendo apresentado sempre uma postura contestatária, manifestou, nos seus livros, um olhar crítico sobre a sociedade contemporânea e, principalmente, sobre a cultura portuguesa, seu principal objeto de estudo.
António Saraiva procurou estudar a fundo a história de Portugal para poder compreender e caracterizar o perfil psicológico e cultural do povo português. Na sua obra A Cultura em Portugal – Teoria e História (1994), o autor analisou o sentimento de isolamento de Portugal perante a Europa e a influência deste sentimento na construção da identidade cultural portuguesa. Segundo Saraiva, Portugal sentir-se-ia isolado devido à sua posição geográfica, comprimido entre o mar e Espanha, o que levaria os portugueses a sentirem-se como ilhéus, incomunicáveis. Impossibilitados de se relacionar com os vizinhos e de comparar realidades humanas diferentes da sua, os portugueses teriam um desconhecimento dos limites da sua própria realidade. Apresentariam, assim, uma avaliação pouco realista das suas verdadeiras possibilidades, ora inferiorizando-se e refugiando-se numa auto ironia perfurante, ora aventurando-se e desafiando o mundo. De acordo com Saraiva, este facto também pode ser observado na mitificação que, em Portugal, geralmente se faz do estrangeiro, às vezes caracterizando-o como um lugar de delícias e outras vezes como um lugar de perdição.
A dualidade que se observa na perceção do estrangeiro e da própria identidade também se manifesta no sentimento tipicamente português chamado "saudade". Segundo Saraiva, a saudade é um tema que tem uma presença saliente e quase obsessiva na língua e na literatura portuguesas e que define um modo de pensar e de sentir tipicamente português. Trata-se de um apego aos sítios e às pessoas que ficaram distantes e que também estaria relacionado a uma necessidade de contemplação do passado, uma busca pela idade de ouro de Portugal.
Partindo dos estudos culturais, António José Saraiva também desenvolveu estudos sobre a língua portuguesa e, principalmente, sobre a história da literatura. Na sua obra Para a história da cultura em Portugal (1972), o autor afirmou que a história da literatura é apenas um degrau da história da cultura, não podendo ser compreendida sem a devida análise da cultura em que ela se insere. Da mesma forma, Saraiva considera que as línguas também se distinguem umas das outras como resultado de uma diferenciação cultural, numa tentativa de construir expressões que possam atribuir significado a realidades únicas e particulares.
Apesar de não ter-se especializado nos temas sobre a Idade Média, sempre interessado nos estudos culturais, Saraiva também escreveu algumas obras sobre a época medieval, como é o caso de Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval (1942), A Épica Medieval Portuguesa (1979), e O Crepúsculo da Idade Média em Portugal (1990).
António José Saraiva foi uma personalidade de extrema importância para a história da literatura e da cultura portuguesas. Com ele, a história literária deixou de ser unicamente descritiva para se tornar contextualizada e enquadrada em parâmetros de tempo e espaço concretos.
Bibliografia ativa
- Calafate, P. (2006). Portugal como problema – Século XX: Os dramas de alternativa. Lisboa : Fundação Luso-Americana.
- Saraiva, A. J. (1972). Para a história da cultura em Portugal. Lisboa : Europa-América.
- Saraiva, A. J. (1994). A Cultura em Portugal – Teoria e História. Lisboa: Gradiva.
Bibliografia passiva
- Saraiva, A. J. (1942). Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval. Lisboa.
- Saraiva, A. J. (1956). O Humanismo em Portugal. Lisboa: Europa-América.
- Saraiva, A. J. (1969). Inquisição e Cristãos-Novos. Lisboa : Estampa.
- Saraiva, A. J. (1970). Maio e a Crise da Civilização Burguesa. Lisboa: Europa-América.
- Saraiva, A. J. (1977). Herculano e o Liberalismo em Portugal. Amadora : Bertrand.
- Saraiva, A. J. (1979). A Épica Medieval Portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa.
- Saraiva, A. J. (1990). A Tertúlia Ocidental. Lisboa: Gradiva.
- Saraiva, A. J. (1990). O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva.
- Saraiva, A. J. (1996). O discurso Engenhoso. Lisboa: Gradiva.
- Lopes, O. & Saraiva, A. J. (2001) História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora.