Por Carlos Leone
Último nome maior da primeira geração de críticos literários que Portugal conheceu, Pinheiro Chagas (Lisboa, 1842-1895) foi também, e mais celebremente, o «fiel inimigo» de Eça de Queirós, o qual o crismou de «brigadeiro Chagas», reprovando-lhe o seu patrioteirismo agarrado ao passado.
Com efeito, muito do sucesso do trabalho de Chagas junto do público deveu-se à sua capacidade para – no teatro, na historiografia, na política, na novela, na poesia – tocar com sucesso as cordas mais patéticas da sentimentalidade portuguesa do seu tempo. Isso mesmo torna-o uma leitura um pouco frustrante, hoje, devido ao sucesso posterior do estilo e da atitude de Eça junto do mundo literário (e da cultura em geral) de Portugal. Mas o seu trabalho inicial, no jornalismo literário, merece consideração por aí se encontrar já tudo o que depois viria a celebrizá-lo, mas ainda numa forma muito primitiva e ingénua (os dois volume de crítica, Ensaios Críticos e Novos Ensaios Críticos, serão em breve republicados pela INCM).
Pinheiro Chagas viu publicados os seus Ensaios Críticos (Porto, 1866), ainda muito jovem. Os ensaios aí reunidos tinham sido escritos e publicados quando tinha pouco mais de vinte e um anos e reunidos com pouco mais de vinte e três (cf. «Nota» final ao livro). No caso de Chagas e de tantos outros depois dele, vemos que muita da crítica que deixou marca foi feita por gente implausivelmente nova, quase sempre com posições muito diversas: Chagas e os «Vencidos da Vida»; Fidelino e Pessoa; Régio e Cunhal; Gaspar Simões e Casais Monteiro… Assim se acompanha o que houve vivo e ativo desde a segunda metade do século XIX até à segunda metade do século XX. Longe de ser uma exceção, Pinheiro Chagas é apenas um exemplo possível de como é entre os menos experientes que surgem, tantas vezes, os mais relevantes para a História da República das Letras. Só desde o momento que essa História, da Literatura e da Crítica, começou a ser feita sistematicamente dentro da Universidade, desde meados do século XX, é que se operou a dupla mutação face à crítica «impressionista» (termo ainda aplicável, aliás, a quase tudo o que um David Mourão-Ferreira cometeu na crítica, como o próprio admitia) em que Chagas se exercitou nos seus ensaios: a constituição de um público no sentido moderno do termo, falta tantas vezes lamentada tanto por Chagas como por outros depois dele (como ainda no caso do Inquérito Literário de Boavida Portugal, em 1915); e a criação de um establishment universitário em contacto regular com aquela Europa moderna que a geração de Chagas e Eça – e mesmo antes dela – tomava por ideal normativo. Sem estas duas mudanças, e a mudança social que se produziu com elas no último quartel do século XX, o mundo literário e social de Chagas permaneceria sendo o nosso.
Nesse mundo, a prosa tendia à solenidade e o número de carateres ainda não era a ultima ratio da escrita, nem mesmo da jornalística. Quem conhecer as longas aberturas dos textos do início do século XX sentir-se-á à vontade entre a prosa dos novos de meados do século XIX, com as suas extensas divagações sobrecarregadas de erudição clássica e moderna.
Como Chagas explica nas suas «Duas palavras d’Introducção», Ensaios Críticos reúne alguns dos textos do «primeiro ano do meu noviciado jornalístico.». Nele, e em tudo o que mais se propunha fazer, «a missão da crítica era elevadíssima», mesmo se a adulação colhe sempre mais adeptos, tanto entre os maiores como entre os menores: «Perante a vaidade todos somos iguais». E a modéstia do aspirante a critico, a homem de letras naquela aceção que hoje desapareceu, só torna a leitura dos ensaios mais esmagadora: aquela ideia de cultura já não existe, aquela língua portuguesa já não existe, aquela Pátria já não existe.
Os Novos Ensaios Críticos não trazem nada de novo ao leitor, seja nos temas, seja no seu tratamento. Lançado apenas um ano depois do primeiro volume de ensaios, resulta do sucesso público do seu predecessor e pretende, sim, juntar ao já conhecido alguns ensaios inéditos, escritos sem a pressão do quotidiano jornalístico e assim menos sujeitos a erros e mais propícios à perenidade. Ou assim Pinheiro Chagas pretendia.
Na realidade, retoma e desenvolve os mesmos temas e autores para reiterar as suas ideias já estabelecidas. Por vezes isso resulta numa sistematização de argumentos mais clara, como sucede em «As memórias do Judas», onde o comentário ao romance homónimo serve para fixar uma relação entre o idealismo em arte e o espiritualismo na vida, por oposição à degeneração do Romantismo em Arte e sua sequela social, o materialismo. Sendo escasso, é do mais relevante que se pode encontrar. Novo, com efeito, só o elogio a Júlio Diniz e a saudação à estreia de Silva Gaio na ficção (Mário).
A posição social como crítico cimentava-se e já se sente a referência à polémica de Antero com Castilho (leia-se a segunda secção do ensaio «Thomaz Ribeiro»). Assim também com toda a sua geração. Até por isso, é apropriado o ensaio final ser sobre o Em Paris, de Ramalho Ortigão. Neste livro, nem haverá necessidade de qualquer nota final, pois é já a sociedade ilustrada do final do século XIX português que aqui fala entre si, sem ilusões quanto ao presente, apenas dúvidas sobre o futuro e discordância a respeito do passado. Sobre Pinheiro Chagas, cf. «Chagas, Manuel Joaquim Pinheiro» por Hernâni Cidade, em Prado Coelho, J., dir., Dicionário de Literatura, vol. 1, pp.178, Mário Figueirinhas Editor, Porto, 1997 (4ª ed.).